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Sobre Nascimentos

É possível visualizar a nossa existência como um grande ciclo, assim como é possível ter a percepção de inúmeros ciclos, de menor extensão, que compõem esse ciclo maior.


O início de um ciclo ocorre quando o anterior se completa, quando o anterior já não nos comporta no crescimento que adquirimos. Assim como o bebê precisa nascer, passando a um ciclo diferente, em que deverá ajustar-se criativamente às novas exigências que a vida lhe traz; passamos por diversos “nascimentos” ao longo da vida. Costumo dizer que todas as barrigas terminam ficando pequenas e precisamos nascer para novas experiências, novas aprendizagens; desenvolvendo-nos e crescendo constantemente, até a despedida final desta nossa trajetória.



Como perceber que um ciclo se completou e precisamos nascer para outro? O mesmo incômodo que o feto sente dentro da barriga que não o comporta mais, é o incômodo que sentimos diante de situações de vida que, de fato, não nos comportam mais e das quais é necessário despedir-se e lançar-se ao desconhecido. Nascer para o novo, muitas vezes, não é algo fácil, posto que não há como ter o controle sobre como será esse novo lugar existencial que ocuparemos. A ansiedade pode tomar conta e o refúgio no “ruim conhecido” pode ser a solução para não enfrentar o “nascimento” tão necessário.


Mas o que acontece se um feto não nasce no momento que deve nascer, quando todo o seu organismo está pronto para uma nova fase? Com certeza absoluta, ele morre; já que ali, naquele lugar, ele não tem mais como se sustentar, como ser amparado. Aquela barriga que lhe deu tudo o que ele precisava, que o acolheu de maneira “perfeita”, torna-se inóspita, não serve mais. Da mesma forma, quando nos negamos a nascer para as diversas fases do existir, terminamos “morrendo em vida”. Uma morte simbólica, em que “nosso lugar”, que um dia foi tão precisamente perfeito, passa a nos aprisionar, esse lugar não tem mais como suprir a pessoa que nos tornamos, essa nova versão nossa.


Nossa identidade passa por inúmeras mudanças ao longo da vida, passamos a desenvolver papéis diversos, construídos criativamente, de acordo à demanda das nossas necessidades, que mudam constantemente. Somos verdadeiras “metamorfoses ambulantes”, que anseiam por mudanças, por crescimento; quando negamos essa necessidade de mudança, encontrando refúgio na rotina, na mesmice, deixamos de exercitar a criatividade tão humana, que nos diferencia de outros animais, morrendo em vida, atrofiando o nosso existir.


Somos sementes e trazemos o enxoval necessário para o nosso desenvolvimento, nada nos falta para enfrentar a vida, seja ela qual for que nos toque viver. O ser humano encontra saída nas condições mais inóspitas possíveis, a resiliência encontra-se em cada um de nós e é preciso travar um contato constante com ela, para poder fluir pela vida, para poder nos deixar viver, espontaneamente, criativamente; tornando-nos o que de fato somos, que já existe em nós, apenas precisamos deixar fluir.


O meio externo pode ter as mais diversas expectativas ao nosso respeito, pressionando-nos a nos tornar aquilo que, de fato, não somos. Um dos ganhos da idade, talvez seja o poder reconhecer-nos, finalmente, como seres individuais, independentes das expectativas alheias. A maturidade traz a possibilidade de ouvir-nos com maior carinho e gentileza; já não somos mais crianças que não sobrevivem sem adultos que as cuidam, nem adolescentes que precisam ancorar sua identidade nos grupos aos quais pertencem; podemos sentir-nos mais livres para voar, afinal de contas, já enfrentamos tantas coisas, não? Isso pode trazer uma maior confiança em nosso potencial, e maior abertura para poder assumir quem de fato somos. É o momento do “esplendor”, é possível tornar-se mais inteiro, mais integrado, apesar de saber que ainda temos muito a conhecer sobre nós, pois a aventura da vida não para...


E assim, vamos vivendo, ou “morrendo”? Importante perguntar-se todos os dias se estamos vivendo tudo aquilo que é possível viver naquele aqui-agora, ou se estamos estacionados na rotina e “morremos” sem nos dar conta, sem valorizar a vida que nos chama ao crescimento constante.


Portanto, é necessário estar atento às necessidades que vão surgindo, emergindo e pedindo para serem satisfeitas. A surpresa inicial que temos ao nos deparar com necessidades tão diferentes, a cada novo ciclo, deve ceder para o encantamento com o ser humano que somos, em constante crescimento e em busca da integração das mais diversas partes que são tão nossas e que teimamos em negar.


Desejo que você pare para se ouvir constantemente, com sabedoria e gentileza, avaliando cada momento como uma grande oportunidade para conhecer-se, expandir-se e continuar “nascendo”!


Beijos em seu coração tão vivo!



Profª Dra. Dafne Suit


Psicóloga Clínica (CRP:03/01380), Gestalt-terapeuta, Sócia fundadora da Comunidade Gestáltica da Bahia

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